...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, março 18, 2012

Faz muito tempo que perdemos a Nara. Quando ela nos deixou, foi como se eu tivesse perdido alguém da família, alguém que, mesmo distante, nunca se ausentou.

Se estivesse viva, Nara Leão faria 70 anos

[Nara e MPB4]
Aquiles Reis

Faz tempo que perdemos Nara Leão (1942-1989). Você, leitor, lembra-se mais da Nara musa da bossa nova ou da Nara cantora de protesto? Será que sua memória carrega a imagem da Nara Leão que lançou novos e grandes valores como Sidnei Miller, Chico Buarque e tantos outros? Ou será, ainda, que a Nara lembra-lhe a primeira cantora consagrada a engajar-se no movimento tropicalista, gravando “Lindonéia”, de Caetano Veloso, em 1967? Ou você prefere a Nara que trouxe Zé Keti, João do Vale e Nelson Cavaquinho para as plateias de todo o Brasil, em 1964?

Faz muito tempo que perdemos a Nara. Quando ela nos deixou, foi como se eu tivesse perdido alguém da família, alguém que, mesmo distante, nunca se ausentou. Uma irmã mais velha? Sim, e por que não?

Uma mulher tímida, porém extremamente forte e criativa, tornou-se parte da família que elegi como minha nos momentos de solidão e até melancolia pelos quais passei no início da carreira, em 1965. Nunca consegui dizer para Nara que ela havia ganhado um irmão adolescente de dezessete anos, porque, no fundo, eu sabia que se nasce numa família e não se alista nela. Essa “família” de uma “irmã” e quatro “irmãos” (sim, porque irmãos eu também os tinha, e eram o Magro, o Miltinho, o Ruy e o Chico Buarque, claro), porque sozinho eu não haveria de ficar, já que tão longe de Niterói estava... E dos meus pais.

Mas, como eu ia dizendo, essa família de cinco “irmãos” fazia programas na TV Record, saía para jantar, conversava e viajava no trem de São Paulo para o Rio de Janeiro (como, de resto, assim faziam diversos colegas). Percebi, então, que havia me alistado numa família. E como me senti bem... E protegido.

Mas o que eu gostava mesmo era do vagão restaurante do trem noturno que saía pontualmente às vinte e três horas da Estação da Luz, em São Paulo, para a Central do Brasil, no Rio de Janeiro. A “família” sentava-se em torno de uma garrafa de vinho e toma de falar besteira. Os “meninos” dizendo as maiores sandices, absurdos homéricos, e a “menina” ouvindo, meio entediada. Um verdadeiro concurso de abobrinhas. E o trem correndo.

Pouquíssimas vezes consegui fazer com que a Nara risse, sequer sorrisse de alguma besteira que eu tivesse dito (para ser sincero, só uma vez, no máximo duas). Seja lá como for, conseguir fazer minha “irmã” sorrir dava-me a certeza de que eu era bem-vindo à “família”.   

Faz tempo que perdemos a Nara. Nós, que choramos sua falta, haveremos de lembrá-la com ternura, retribuir-lhe alegremente o tanto que ela nos deu, com um sorriso de saudade e uma prece de carinho.

Hoje as famílias poderão sair para passear, tomar sorvete ou comer pipoca. Todos poderão ir ao circo, pelo menos ao circo do Sidney Miller que Nara cantou tão bonito. Menos ela.




Faz muito tempo que o Brasil perdeu Nara Leão. Sem que ninguém jamais tenha percebido, sequer cogitado, faz tempo que eu perdi minha única “irmã”. E ela nunca soube disso.

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