Declaração de amor
Aquiles Reis
Ao lançar Estúdio (independente), seu terceiro CD, o compositor, cantor e pianista brasiliense Eduardo Rangel abre a voz e revela a alma apreensiva que lhe habita o corpo.
A dramaticidade leva sua interpretação para emoções por vezes cálidas, por vezes quase imperceptíveis, mas sempre admiráveis. Delicada, afinada, aguda, personalíssima, sua voz reflete a inquietude que impele o compositor à sede pelo desconhecido, à fome por desvendar enigmas da criação. Música que brota para elucidar mistérios, que lhe vêm às mãos como bençãos a serem decifradas.
Suas cançõs são pop, desde a concepção até a mixagem. Arquitetadas dentro da mais pura linhagem do modernismo, a tudo encharcam com a chama da música contemporânea. São onze composições de Eduardo, uma dele com Gualter Ferreira e “Minha Alma – A paz que eu não queria” (Marcelo Yuka, Falcão, Xandão, Marcelo Lobato e Lauro Farias, o Rappa): A minha alma tá armada e apontada/ Para a cara do sossego/ Pois paz sem voz, paz sem voz/ Não é paz, é medo. Estes versos, ao fincarem sua energia ao lado das letras escritas por Eduardo, ganham amplitude. Intensificando-se uns nos outros, se não apontam caminhos, gritam com formidável força poética e clamam por satisfazer desejos que as almas dos poetas sonham para si próprias e para a humanidade.
A formação instrumental varia de acordo com cada música, E surpreendem, como na música do Rappa, por exemplo, que tem piano (Eduardo Rangel), violoncelo (Ocelo Mendonça) e efeitos programados por Daniel Musy. Por outro lado, a bela “Noves Fora” (Eduardo Rangel) tem formação tradicional para uma canção de forte apelo dramático: piano (Leo Brandão), baixo acústico (Oswaldo Amorim), dois violinos (Liliana Gayoso e Zoltan Paulinyi), duas violas (Aletéa Cosso e Marie de Novion) e três violoncelos (Gidesmi Alves, Jabez Oliveira e Ocelo Mendonça, o autor do arranjo para as cordas).
A bossa nova “Trim!” (Eduardo Rangel) soa simples e esplendidamente ao som do piano (Leo Brandão) e do violão (Rafael dos Anjos). Também admirável é o arranjo da música “3416 d.C.” (Eduardo Rangel), que abre o álbum – quando o som do acordeom (Leo Brandão) vem embalado pela forte pegada da guitarra (Walter Villaça) e pela programação da bateria (Leo Brandão). Cabe ressaltar o parcimonioso e adequado uso desse recurso eletrônico.
“Bicicleta” (Eduardo Rangel), bela homenagem à cidade de Brasília, tem órgão (Leo Brandão), o assovio (é isso mesmo) do saxofonista Milton Guedes (assovia bem, o danado!) e bateria (João Viana). “Sinsalabim” (Eduardo Rangel e Gualter Ferreira é cantiga brejeira, com leveza avalizada pelo baixo fretless (André Vasconcellos), pelo violão (Torcuato Mariano), pela bateria (João Viana) e pelo sax (Daniel Musy).
Em suas treze faixas, Estúdio engasta bela declaração de amor ao ofício de compor, tocar e cantar, ou ao amor por algo não explicitado, mas que pulsa, arde, busca vir à tona para, enfim, respirar, viver, se entregar...
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
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