Zeca Baleiro, o cronista do improvável
Primeiro lançamento de seu selo Saravá Discos, Concerto é o  CD gravado ao vivo pelo irrequieto Zeca Baleiro no Teatro Fecap, em São  Paulo.
A sonoridade do trabalho está baseada em cordas de violões de seis e  de sete cordas, de guitarra e de bandolim tocadas pelo próprio Zeca, por  Tuco Marcondes e por Swami Jr. Ao abrir mão de instrumentos rítmicos,  ou de qualquer outro gênero, o som que resulta propicia uma saudável  atmosfera de intimidade entre os músicos e os que os ouvem.
Tal escolha embute riscos que Zeca, sem dúvida, resolveu correr. Por  exemplo: a dinâmica das quinze canções, aí incluída uma faixa bônus, se  dá de forma nada corriqueira, de um jeito que os ouvintes não estão  habituados a encontrar em gravações, ao vivo ou não, de artistas  contemporâneos, tenham eles pegada pop, roqueira ou emepebista.
Ou ainda: Zeca Baleiro é o cronista do improvável. Aquele que sempre  busca temas que não se classificam entre os mais fáceis, são sempre  originais, arejados. E mais: ao escolher canções alheias para  interpretar, o faz como se dele elas fossem, como se dele fossem seus  versos. Cantor que não se enquadra em conceitos preestabelecidos do que é  ser um bom cantor, ele tem, entretanto, charme e picardia especiais,  revelados por correta afinação e pelo jeito instintivo de dividir as  frases musicais.
Sendo assim, “Barco”, poderosa música do Chico César, assume a cara  do Zeca. Reverência e ousadia em união. E é como se Assis Valente  houvesse composto a saborosa “Tem Francesa no Morro” (“Vian/ Petite  francesa/ Dancê le classique/ Em cime de mesa”) para ZB deitar e rolar.  Do Marcelo Nova e do Gustavo Mullem, os punk roqueiros do grupo Camisa  de Vênus, ZB escolheu a delirante “Eu Não Matei Joana D’Arc”.
E tem “Autonomia”, uma genial, embora ainda pouco conhecida, do  Cartola. O violão vem suave, tendo Zeca pela mão. Os versos soam em  calmaria. Apesar das baixarias do sete se fazerem presente, o samba não  se abala. Mas o duo de voz e violão se encarrega de que não sintamos  falta do ritmo.
“Respire Fundo” – mais um primor da síntese do Walter Franco – dá  chance às cordas de seduzir, acústicas, enquanto Baleiro diz os  lacônicos versos do poeta.
Zeca Baleiro gravou duas músicas em parceria, uma com Vanessa  Bumagny, que troça com a dúvida (só dos argentinos) sobre quem é melhor –  Pelé ou Maradona, e outra com Vander Lee, saudação reverente a Martinho  da Vila, com direito a divertida imitação do jeito “arrastado” de  Martinho cantar. E quatro só dele: “A Depender de Mim” (uma de suas  músicas mais recentes), “Canção Pra Ninar Um Neguim” (um acalanto para  Michael Jackson), “Armário” (jocoso comentário sobre sair ou não do  “armário”) e “Mais um Dia Cinza em São Paulo” (o amor pela cidade onde  optou por morar).
Concerto é CD amadurecido, pleno de personalidade. Reflexão  carinhosa, homenagem à vida do compositor e ao tempo que passa e lhe  traz a sabedoria que o tornará ainda mais e sempre imprevisível.

Zeca é dez!
ResponderExcluirBelvedere