...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, abril 17, 2011

O cantar profano de Carlos Careqa


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Carlos Careqa lançou Alma boa de lugar nenhum (indepen­dente), álbum que confirma que não se deve enquadrá-lo em nenhum gênero musical reducionista: será que ele é um compositor da chamada “MPB”? Pode-se chamá-lo de vanguardista? De “maldito”? Experi­mentalista? Seria um erudito...? Ora, Careqa é bem mais que tudo isso: ele busca. 
São dele dez das doze faixas inéditas do disco. Destas, seis são só suas e duas são de Bertold Brecht, em parcerias com Kurt Weill e Hanns Eisler (esta com versão do próprio CC, ele que aprendeu alemão por causa de Brecht).
Carlos Careqa encontrou na sonoridade do piano a marca para o repertório do disco. Para tanto, levou para o estúdio grandes pianistas: Thiago Costa, Ana Fridmann, André Mehmari, Chico Mello, Paulo Braga, Gabriel Levy, Karin Fernandes e Arrigo Barnabé. Coube a eles escrever os arranjos das músicas que foram interpretadas por Careqa, sendo que uma é cantada com Chico Buarque e outra com Arrigo. Cada arranjo é uma criação ousada que se soma a interpretações que dela se vale para ouriçar os pelos de quem está por perto.
Destaque para Chico cantando “Minha Música” (Carlos Careqa), quando sua voz canta à realidade e o sampler de piano de Renato Alscher e o piano de Paulo Braga tocam à fantasia. Destaque também para a delicadeza de “Todo Cuidado É Pouco” (Itamar Assumpção e Careqa), demonstrando ser musicalmente falso o dilema que vê como incompatível a sutileza de um piano, tocado quase que eruditamente, com a crueza de versos duros e ditos por um cantor afável, logo substituído por um cantar que raspa a garganta do intérprete.
Ótimo cantor, Careqa tem voz afinada, bela quando a usa de forma melodiosa, desde que assim peça sua composição. Rascante quando sente necessidade de dar dramaticidade teatral à canção e sua voz soa quase que agressiva. Brejeira quando o humor diz presente e o cantar vem maneiro.
Ainda que seus versos sejam sempre poeticamente densos, intensos; ainda que cada pianista convidado tenha se transformado em tradutor do som que foi criado originalmente pelo violão de Carlos Careqa; ainda que o estranhamento pontue as sílabas; ainda que cada acorde, cada harmonia, cada divisão rítmica sejam irreverentemente tocadas para chacoalhar as certezas do ouvinte... Ainda assim ele soa pungente. Ainda assim ele centraliza na poesia e na música o poder de cativar para sensibilizar.
A poesia de Careqa é profana. Sua música tem a força de contrastes inusitados. Cristã e ateia, sua voz tange o inconsciente e reflete no estômago de quem a sente. Por mais que, ao ouvi-lo, sejamos impelidos a sentirmo-nos num pequeno palco, ambiente enfumaçado, luzes opacas, cheiro de bebida impregnando o ar, sala quase vazia, copo de absinto sobre o piano encardido, figuras decadentes e delirantes desfilando suas amarguras, o frescor da música de Carlos Careqa a tudo corrompe com o tanto que seu sangue é novo. E a tudo contagia. E a todos extasia.


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