...na música, até o silêncio tem ritmo.

quinta-feira, maio 05, 2011



ESPELHOS DA ALMA

Luiz Felipe Jardim
É impossível para nós imaginarmos uma sociedade que não faça ou que não ouça música. Simplesmente porque tal sociedade, a partir de certo momento da história do Homem, nunca existiu. A música é um dos pilares da nossa humanidade. Um dos elementos sem os quais não seríamos o que somos como espécie. De uma forma particular, a música está para a nossa humanidade assim como estão letras e matemáticas; ciência e artes.
Mas, por que isso acontece? Por que a música tem tanta importância em nossas vidas a ponto de estarmos em contato com ela cotidianamente e nas mais variadas situações desta cotidianidade? Por que precisamos ouvir música em tantos momentos do nosso dia a dia, como nos elevadores, nos bares, carros, desfiles, TVs, quartéis, escolas etc.?
Não existe uma resposta que contemple a totalidade da pergunta. Desta, e de todas as perguntas. Mas para cada pergunta existem várias respostas que, com bons ventos, podem nos levar às cercanias das proximidades da ante proto pré-resposta total... Espero que a reposta que segue, seja uma dessas, movida por ventos de bons sopros.
                                                ESPELHOS


Todos os dias, quando nos acordamos, uma das primeiras coisas que fazemos é a de levar nossos olhos ao espelho.
Nos vemos e, de cara, naturalmente, tratamos de nos transformar, de nos aprontar. Escovando os dentes, penteando os cabelos, experimentando roupas, estamos sempre diante do espelho acompanhando e comandando as nossas pequenas transformações cotidianas.
Nas ruas, estamos permanentemente em contato conosco e nosso look através dos retrovisores dos carros, das vitrines das lojas, vidros dos prédios, estojos de maquiagem etc. 
O curioso é que, sempre que nos vemos, à semelhança daquela primeira mirada que nos damos quando nos acordamos, temos uma certa tendência - quase que impulso - a nos retocar, a mudar algo em nós, a fazer algo que nos melhore a aparência. Assim, quando nos vemos, e podemos, fazemos pequenas coisas do tipo: ajeitar a gravata, retocar a maquiagem, guardar o anel, ajustar o cinto, corrigir a postura, abotoar a camisa.
É que, quando nos vemos refletidos, quase sempre percebemos que precisamos fazer ajustes em nossa aparência exterior para que estejamos mais parecidos e em harmonia com quem somos, com o que achamos que somos ou com quem ou quê gostaríamos de ser.   
E como mudamos tanto em nossas vidas sendo sempre as mesmas pessoas, (vide você com cinco anos, com onze anos e você agora), necessitamos estar sempre afirmando, confirmando e reafirmando nossas identidades, entre outras coisas, nos vendo em fotos, vídeos, espelhos etc.
                                          ESPELHO SONORO

À nossa semelhança, as sociedades humanas também têm identidades e fisionomias próprias. Qualquer grupo humano, qualquer cidade, estado ou país que criemos, logo ganha personalidade distinta, traços particulares, características próprias. Individualização.
É por isso que quando ouvimos um tango, logo identificamos: “essa música é daquele lugar”. O Mesmo acontece quando ouvimos música country, taquirari, tarantela ou samba. Cada um desses ritmos contém traços próprios, aspectos particulares da alma da gente que os criou.
Acho que, entre outros tantos motivos, é por isso que escutamos tanta música. A música é um espelho sonoro onde, ouvindo, miramos o nosso espírito.  Nele encontramos detalhes de nossa alma que de outra forma não perceberíamos com naturalidade.  
Quando ouvimos música, penetramos na aparência externa do nosso eu coletivo, da mesma forma que penetramos na aparência externa de nosso eu quando nos vemos refletidos no espelho.
E da mesma forma que temos certo impulso para retocar nossas imagens quando nos vemos, quando ouvimos música temos certo impulso para retocar aspectos do nosso espírito. Assim é que, ao ouvir música, ora ficamos mais alegres, ora ficamos mais tímidos; ora ficamos mais tristes, ora mais espertos; ora ficamos mais sentidos, ora confirmamos ou maquiamos ostensivamente nossas indiferenças.
Na sonoridade do espelho, vemos nossas almas e buscamos harmonizá-las com o que sentimos.
 
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Um caipira do Rio São Francisco, assim falou sobre a História: “A História é uma coisa interessante, a gente se alembra, se alembra... de repente se esquece. Daí, um dia, a gente não tá nem naquele sentido, de repente se alembra...”
Se alembrando e reesquecendo, reesquecendo e se alembrando de nós - nos espelhos de vidro ou em miragens sonoras, vamos compondo e vivendo nossas histórias. Individuais e coletivas.  As histórias das transformações, cotidianas, pequeninas, quase imperceptíveis, como um leve retocar de maquiagem ou ligeira alteração de humor, mas que povoam nossos dia-a-dias de gestos e sentimentos sem os quais não seríamos mais que estátuas, pedras sem movimento.  

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