Jovem Guarda foi, inicialmente, um programa musical da TV Record de São Paulo levado ao ar pela primeira vez em 22 de agosto de 1965. Sob o comando de Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos, apresentado e transmitido ao vivo nas tardes de domingo, foi sucesso desde sua estréia até o seu fim, que a rigor aconteceu dois anos e meio depois, em janeiro de 1968. Pelo programa passaram quase todos os ídolos da juventude da época como Renato e seus Blue Caps, Jerry Adrianni, Leno e Lilian, Wanderley Cardoso, Martinha, Silvinha, Os Incríveis etc. Tal foi o sucesso, que a marca Jovem Guarda estendeu-se e deu nome a todo um movimento de juventude que, iniciado alguns anos antes com a chegada do Rock and Roll ao Brasil prolongou-se até inícios da década de 70. Jovem Guarda deixou de ser somente o nome de um programa de TV e passou a denominar também um 'movimento' que até então era chamado de Iê-Iê-Iê.
Jovem Guarda e Juventude
Nos anos 50 e 60 havia uma 'explosão de juventude' no mundo.
Depois de uma primeira metade de séc. com duas guerras mundiais e grande extermínio de jovens, a juventude se refazia. Com um novo ‘jeito jovem de ser’, e abraçados ao Rock, dizia não às guerras, buscava novos parâmetros estéticos, questionava valores e princípios... Criava-se uma 'indústria jovem', que implicava em literatura própria, vestuário, linguagem, música e poesia próprios. Surgia uma 'nova adolescência' e uma 'nova juventude', fases em que não se é mais criança e ainda não se é adulto e em que se quer ser as duas coisas simultaneamente. Não que antes não houvesse adolescência ou juventude, a novidade estava na reivindicação do amplo direito de sê-lo e de sê-lo por mais tempo. Grande número de canções da época de todo o mundo, reivindica esses direitos. No Brasil, a JG traduzia essa linguagem e inseria particularidades suas nos seus cantos e reivindicações como, p ex: o direito de ser inconsequente (entrei na R Augusta a 120 ph); de ser superficial ( e que eu não ligo para nada); às aventuras ( vinha voando no meu carro...); ao namoro livre (casamento, enfim, não é papo pra mim).
Depois de uma primeira metade de séc. com duas guerras mundiais e grande extermínio de jovens, a juventude se refazia. Com um novo ‘jeito jovem de ser’, e abraçados ao Rock, dizia não às guerras, buscava novos parâmetros estéticos, questionava valores e princípios... Criava-se uma 'indústria jovem', que implicava em literatura própria, vestuário, linguagem, música e poesia próprios. Surgia uma 'nova adolescência' e uma 'nova juventude', fases em que não se é mais criança e ainda não se é adulto e em que se quer ser as duas coisas simultaneamente. Não que antes não houvesse adolescência ou juventude, a novidade estava na reivindicação do amplo direito de sê-lo e de sê-lo por mais tempo. Grande número de canções da época de todo o mundo, reivindica esses direitos. No Brasil, a JG traduzia essa linguagem e inseria particularidades suas nos seus cantos e reivindicações como, p ex: o direito de ser inconsequente (entrei na R Augusta a 120 ph); de ser superficial ( e que eu não ligo para nada); às aventuras ( vinha voando no meu carro...); ao namoro livre (casamento, enfim, não é papo pra mim).
Vale lembrar que o crescimento da importância desses grupos etários se dava paralelamente ao crescimento de uma indústria cultural que dava a esses mesmos grupos elementos crescentes de possibilidades de atuação e de visibilidade. Dentre esses elementos o "rock" era o mais difundido e o que melhor refletia as vivências, as emoções e os desejos dos jovens de todo o mundo.
Nos EUA, em 1964, 40% da população total do país tinha menos de 20 anos de idade. E mais de 50% da população, menos de 30 anos.
NEOTENIA/NEOFILIA
Uma das qualidades do ser humano é a de ser capaz de levar para a vida adulta características próprias da infância, tanto biológicas como mentais como a curiosidade, o fascínio pela novidade p ex. A isso chamam de neotenia/neofilia que são algo como a permanência de caracteres infantis em animais sexualmente maduros. Essa característica foi fundamental para o ser humano quando esteve prestes a se extinguir em diversos momentos da Pré História.
A curiosidade, a busca pelo novo, pelo diferente, além da diversão, próprios da infância, também produzem cultura e ciência na vida adulta. No teatro, o que fazem ator e espectador senão 'brincar de mentirinha' do tipo ‘eu finjo que sou e você finge que acredita’? No esporte, o que faz o milionário jogador de futebol senão 'brincar de bola'? Na Academia, o que faz o sisudo cientista senão 'olhar nas fendas' (nas brechas, diria o acreano) da realidade buscando realidades nuas, ocultas ou semi-ocultas?...
Na época da JG, a juventude de todo o planeta reivindicava ferozmente o direito de ser jovem por mais tempo. É que em quase todas as sociedades do mundo e em todos os tempos, a passagem da infância para a vida adulta se dava muito cedo.
As pessoas se casavam cedo e assumiam papéis de adulto muito cedo porque a mensagem biológica do crescei e multiplicai-vos incrustada no DNA é poderosíssima. Essa mensagem contribuiu, em parte, para a garantia da sobrevivência da espécie humana adaptando-a a todo o planeta.
Após a chamada Revolução Industrial, as coisas tenderam a mudar. Com o prolongamento da expectativa de vida e o desenvolvimento das ciências médicas, mais remédios, mais vacinas etc as pessoas já não precisaram ter tantos filhos e nem casar tão cedo para ter garantida a reprodução da espécie. Como o número de filhos por casal diminuiu significativamente, o homem fez um arranjo em sua natureza promovendo um prolongamento artificial da infância. Os filhos, cada vez menos, ficariam cada vez mais tempo em casa sob os cuidados dos pais, preparando-se para a vida de adulto. Isso era novo, nunca houvera acontecido na história da humanidade em tais proporções. A humanidade se ‘infantilizava’ e reinventava a juventude. Nas décadas de 50 e 60, a juventude dava formas às novas fisionomias que deveria ter. A JG era uma das várias fisionomias que tinha a juventude do Brasil e do mundo.
O crescimento expressivo, nos anos 50 e 60, das publicações de revistas de História em Quadrinhos e das produções de Desenhos Animados para Cinema e Televisão (e da importância dos ‘vídeo games’ na atualidade, não só para crianças e jovens, mas também para os ‘jovens há mais tempo’), são aspectos culturais significativos desta 'infantilização '. A propaganda de televisão se aproveitou bastante deste processo já que ao assistir ao anúncio em desenho animado, o espectador tende a ficar momentaneamente 'infantilizado', momentaneamente 'desarmado' e passivo; é aí que a propaganda 'dá o bote' e internaliza no espectador a simpatia pelo produto oferecido e a vontade de consumi-lo.
Nos governos JK, Jânio, Jango e posteriores, a indústria automobilística se delineava, se enraizava e se consolidava como ponta de lança da economia nacional. Roberto Carlos é um dos arautos desse processo com o seu 'Calhambeque' e com sua Jovem Guarda. Ambos cantavam os carrões, difundindo um fascínio, que se convertia em vontade coletiva, que se convertia em moda e consumo, que se convertia em ...lucros.
Calhambeque era também uma marca de roupas para jovens. Lembra que as calças Calhambeque para rapazes e moças eram bem apertadas? E que as saias Calhambeque eram minissaias? Isto acontecia, em certa medida, porque, em 1961 o governo de Cuba mudou-se de mala e cuia para o lado Soviético da Guerra Fria. Na mala e cuia de Cuba estava sua enorme produção de algodão, que até então abastecia parte significativa da indústria têxtil ocidental. Resultado: quase faltou algodão para todos os do lado da OTAN, principalmente para o parque têxtil inglês. Além de redesenhar e redimensionar as áreas de produção de algodão pelo mundo, (onde até o Nordeste brasileiro tirou uma casquinha revitalizando velhos e moribundos algodoais), outras duas linhas de urgência foram adotadas para superar a crise: intensificar pesquisas e produção de fios sintéticos, e, além dos cintos, apertar as calças e diminuir o tamanho das saias. Lembra da camisa Volta ao Mundo? Da camisa de Banlon? Das calças de Tergal? Eram todas de fios inteiramente sintéticos que foram moda no planeta.
É nesse contexto que surge a minissaia. E embora ela tenha promovido uma grande revolução pelo mundo a fora, nasceu de uma reação, nasceu da necessidade imposta por uma conjuntura de mercado.
Logo depois, já no final do segundo tempo e na etapa de prorrogação da Jovem Guarda, a indústria têxtil, abastecida e recuperada, vai à forra e aumenta o tamanho das saias e calças do mundo. Quando RC veio ao Acre em 73, já estava desvestido das apertadas Calhambeque. Usava calças bem mais largas, de enormes bocas-de-sino e de tipo toureiro, que iam até o umbigo. Ou seja, muito pano pras mangas (umbigos e canelas) para compensar as perdas recentes de segmentos da indústria têxtil ocidental capitalista.
Ao seu tempo, a JG cumpriu muito bem com uma de suas funções, que era a de estimular o fluxo de novidades, instilar novas idéias e sentimentos nos interiores do Brasil, preparando-os para as novidades do consumo. É que 'pari passu' com a JG se movimentavam pacotes de vontades de consumo que incluíam desde vestuário até eletrodomésticos; desde disco de vinil até poltronas e sofás; desde bonecos Mug até automóvel Aero Willis. Foi aí que a geladeira- ainda com seu fiel pinguim, instalou-se definitivamente nas cozinhas brasileiras; foi aí que a enceradeira elétrica substituiu o escovão colonial; foi aí que o fogão a gás substituiu o pré- histórico fogão a lenha. O imaginário que a JG trazia e suscitava, impulsionava esse tipo de modernização, promovendo flexibilidade nas mentalidades normalmente mais resistentes e conservadoras do Brasil rural, do Brasil do interior e suburbano.
PARALIPÔMENOS
Existe certo maniqueísmo que insiste em nos dizer que o comportamento da direita é assim e o da esquerda (inevitavelmente) assado. Este maniqueísmo nos impede de compreender coisas simples já que nos impede de ver as coisas com naturalidade.
Muitas das mudanças que o mundo precisava fazer à época da JG eram pontuais, não eram necessariamente as mesmas em todos os lugares. Para as mulheres de certos pontos do mundo, o uso de sutiãs poderia ser tão revolucionário como atirá-los em fogueiras em outros. Para os homens, o uso de cabelos compridos e roupas coloridas no nordeste brasileiro ou no sul italiano, poderia ter a mesma importância ou promover mais mudanças que muitas passeatas comunistas em Paris. O mundo estava de mudanças, e mudava sua fisionomia de acordo com a fisionomia que mudava em cada ponto seu. Assumindo diversos rostos, diversas formas, diversas expressões de si próprio... A JG era uma tênue e escura; densa e clara expressão dos rostos do Brasil.
Tanto à esquerda quanto à direita, ora contraditória, ora incoerente, a JG se movimentou nos espaços reais e imaginários, culturais, políticos e econômicos com extensão e frequência que só os grandes movimentos têm. Há momentos em que músicos se inspiram e compõe canções. Canções iluminam pessoas nas suas vidas cotidianas. Pessoas animam grupos... que inflamam movimentos... que inspiram a História... Quando a História se inspira acontecem as revoluções. A Jovem Guarda era clarão do fogo que, num momento de inspiração da humanidade, ardia com as revoluções de sua época. A Jovem Guarda era uma brasa, mora !!!
Parabéns!
ResponderExcluirUm verdadeiro retrato histórico do Movimento.
E que leitura agradável !
Mya-RJ
Muito Bom!
ResponderExcluirFernando Marques-MG
Parabéns, emocionante.
ResponderExcluirTrabalho de pesquisa invejável.
Luiz A. Resende-RJ
Trabalho impecável!
ResponderExcluirMerece registro histórico, detalhes, fatos, simplesmente perfeito!
Laura Gomes-RJ