...na música, até o silêncio tem ritmo.

sábado, junho 11, 2011

Goleada instrumental

Aquiles Reis


Após Choro Elétrico (2005) e Porta Aberta (2008), o Quatro a Zero lança Alegria (com apoio do ProAC, do estado de São Paulo). Integrado por Daniel Muller (piano e acordeom), Danilo Penteado (baixo elétrico e acústico), Eduardo Lobo (guitarra e violão) e Lucas Casacio (bateria), o grupo tem uma visão muito particular dos gêneros musicais tidos e havidos como sendo “de antigamente”.
Tanto nas composições quanto nos arranjos, seus instrumentos soam impregnados de uma concepção que se vale da tradição para ousar novas formas de bem interpretá-la, com riqueza harmônica, suingue e melodias contagiantes. O que resulta numa audição de raro prazer. Fato que a presença para lá de especial do bandolinista Joel Nascimento, do saxofonista Nailor Proveta e do baterista e percussionista Oscar Bolão só faz acentuar.
 Na abertura, Nailor Proveta e seu saxofone soprano dão vida a “Papo de Cozinha” (Proveta). A pisada é contagiante. O acordeom dá o ar de sua graça. A bateria leva na caixa. O baixo segura as pontas. O acordeom encabeça a melodia. O sax volta e “conversa” com o acordeom e o contrabaixo. O bandolim pede vez... todos dão, claro! O sax retoma. A bateria tem alguns compassos para solar. O maxixe segue e vai ao fim.
O piano começa, a guitarra assume e conduz “De Peroba-Rosa” (Daniel Muller). O piano e o baixo chegam junto. A guitarra sola enquanto bateria e baixo apoiam. Depois da guitarra, o piano puxa. O chorinho volta firme nas cordas da guitarra. Dá para sentir o cheiro do café que acabou de ser passado e está sobre o fogão, aguardando que o papo arrefeça para ser tomado. E a guitarra e o piano trazem o papo para si – todos param para ouvi-los dizer o que sentem. Empolgados, findam o papo.
(Na verdade, o repertório é tocado como se os músicos, depois de um tempo sem se ver, estivessem em torno de um fogão a lenha, cada um com seu instrumento, loucos para prosear e mostrar um ao outro o que de melhor sabem fazer).
A caixa da bateria, agora com Oscar Bolão, começa. O piano e o baixo vão junto. O bandolim sente a pressão e se junta aos bons. Recomeça o papo. O bandolim, nas mãos de Joel Nascimento, dedilha com as cordas presas, o que aumenta o suingue e segue imprimindo brasilidade à deliciosa “Dança de Urso” (Candinho). 
Em “Bacalhau ou Caipirinha?” (Eduardo Lobo), a guitarra e o piano abrem. Logo a guitarra assume a melodia. O piano contribui para a moderna sonoridade. E os dois demonstram que não há chance de algum instrumento não ser adequado à tradição musical. Ora, a guitarra está ali para dirimir qualquer dúvida que ainda possa existir. O piano e a guitarra abdicam do ritmo e proseiam, mas logo deixam que a bateria e o baixo os reconduza ao choro; aí tudo volta a balançar.
Suíte Retratos, de Radamés Gnatalli, é a comprovação da maturidade musical dos meninos do Quatro a Zero. Diante de obras definitivas, seus talentos emergem, pródigos. Ouvi-los aumenta a goleada musical. Show de bola.


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