...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, agosto 21, 2011


Um falso paulista na ilha do Leblon (II)

Aquiles Reis



Mal podia esperar pelo primeiro calor do sol que haveria de entrar pelo quarto daquele aparta­mento no Leblon. A expectativa pela manhã daquele domingo de inverno fazia com que eu não desgrudasse os olhos do teto branco. Quem diria, hein! Lá estava eu novamente naquela ilha.

Certamente encontrarei muitos amigos que indagarão curiosíssimos por onde tenho andado. Apresentarei a Nilza para todos. Trocaremos ideias, com certeza combinaremos um chopps – epa, não convém abusar do paulistês – para o fim da tarde, comentaremos sobre aissh belezas daissh cariocas e tomaremos uma água de coco isshperta.

No início da caminhada causei uma cena digna de Sodoma e Gomorra ao me abaixar para amarrar o tênis, proporcionando o maior engavetamento humano que o calçadão já viu. Em seguida, ao apontar candidamente para as ilhas Cagarras, quase nocauteei com um direto na orelha um lutador de jiu-jitsu que passeava com seu dogue alemão. Lindão, o dogue do Scud. Scud, esse era o apelido do grandalhão que por pouco não fez de mim mais uma das vítimas da violência no Rio. Teve gente mandando o Scud me finalizar, botar pra dormir, dar um mata-leão, enfim, essas coisas delicadas que a galera do jiu-jitsu adora. Depois desses pequenos incidentes, minha mulher quis voltar para casa. Claro que não concordei. E os amigos que eu haveria de encontrar?

Na véspera, já tinha avisado a Nilza que provavelmente eu seria parado a cada passo para conversar. Com cuidado, fomos rumo ao canal do Jardim de Alá. Vindo em nossa direção, percebo a Nana Caymmi e penso: “Finalmente vou provar pra Nilza que eu tenho muitos conhecidos por aqui...” “Claro que a Nana deve estar super preocupada com o repertório do próximo CD, senão ficaríamos horas batendo papo. Não há de ser nada, vamos em frente.” “É agora que a Nilza vai ficar toda orgulhosa, lá vem o Cacá Diegues, o diretor de cinema...” “Cineasta é assim mesmo, distraído que só ele, nem me viu, senão era conversa até o fim do dia.” Senti em minha companheira certa ironia no olhar, naquele sorriso nos lábios como quem diz: “Muitos amigos e conhecidos, né? Sei”.

Vixe! Vem vindo um poodle... Lindo o cãozinho! Branquinho, uma fofura, o poodle. Vem pelo canto da calçada preso a uma coleira dourada. Pensei: “Agora é a humilhação total, vou ter que abrir caminho para o poodle.” Dei-lhe uma encostada discreta com o lado da perna. Como diria um comentarista de arbitragem, eu devo ter ido no lance com força desproporcional, pois o poodle – lindo, branquinho – foi parar quase dentro d’água. Com a dona aos prantos e o bichinho capengando, tive medo de ser linchado. E se o Scud aparecer e comprar o barulho da dona...? Ele adora dogs...

Só me lembro da minha mulher me puxando pelo braço, eu bebendo uma dose caprichada de Fernet Branca e abrindo a primeira cerveja na sala do apartamento. São poucas as coisas que me lembro daquele final do primeiro domingo que passei no Leblon.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

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