...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, agosto 14, 2011

Amanhã será o grande dia


Um falso paulista na ilha do Leblon




Com o sábado acabando, fui dormir animado. Amanhã será o grande dia. Após um tempão, estou de volta ao Leblon, ilha que tem, à frente, o mar; à esquerda, o canal do Jardim de Alá; à direita, o canal da Rua Visconde de Albuquerque e atrás, a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Tentando aparentar modéstia, fui logo prevenindo minha companheira: “Olha, Nilza, não sei se teremos tranquilidade na caminhada que faremos amanhã pelo calçadão. Provavelmente a cada passo serei abordado por velhos conhecidos, alguns poucos e bons amigos que cultivei na época em que eu fui morador do Leblon. Peço-lhe um pouco de paciência e compreensão, afinal, há tempos sem passear pela praia numa manhã de domingo, terei que atender a todos”. Dito isso, apaguei a luz e não dormi. Como dormir imaginando a cena gloriosa que eu já antevia para o dia seguinte?

Acordei com o sol entrando pelo quarto. Levantei-me discretamente pensando: “Teremos um longo dia pela frente”. Mas não custa nada disfarçar o paulistês da minha linguagem. Já pensou entrar num bar, o Bracarense, por exemplo, e sapecar: “Três pastel e um chopps, faz favor, belo”? Não tenho nada a esconder, mas nesse primeiro domingo seria legal não dar muita bandeira.

Paramentado, segui em direção ao calçadão, palco da minha volta triunfal ao convívio com os cariocas do Leblon. Levando Nilza pela mão, respirei fundo e pisei nas pedras portuguesas como quem pisa num tapete de memórias: “Vamos andar até o canal do Jardim de Alá”, sugeri. Trinta metros de caminhada, se tanto, o cadarço do meu tênis novo desamarra. Displicentemente, como convém a um típico morador do Leblon, me abaixo para amarrá-lo. Pra quê, rapaz! Uma senhora que vinha logo atrás de mim quase montou nas minhas costas. O casal atrás da senhora trançou as pernas no pescoço da coroa e assim, sucessivamente, corpos seminus e bronzeados foram se embolando numa cena dantesca e imoral que se estendeu até a Avenida Niemeyer. Não fiquei pra ver, mas ouvi dizer que os bombeiros vieram com um carro pipa para separar os corpos engavetados.

Depois de muito procurar, encontro a Nilza aos prantos. Para acalmá-la, aponto na direção das ilhas Cagarras. Estranho... Não me lembrava de que no meio do calçadão tinha um muro. Que muro coisa nenhuma! Ao esticar o braço, encaixei um direto na orelha amarrotada de tanto esfregar no tatame de um garotão que levava um dogue alemão pela coleira. A galera chegou junto. “Beleza, Scud, bota o paulista pra dormir.” Que apelido singelo, o do cara, não? “Scud”! Um fofo. “Aí, Isshcud, leva o velhote pro chão e finaliza ele.” Me senti numa arena com o povo pedindo meu sangue. O tal do “Scud”, sensível e generoso, ainda meio zonzo, decretou: “Deixa o coroa ir embora, esse cara não dá nem pra saída.” Ô homem bom, esse “Scud”.

Chamei minha companheira e segui caminho. Prudentemente, ela perguntou: “Vamos voltar pra casa?” De jeito nenhum! E os meus conhecidos? Seguimos caminho.



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