A alma brasileira de Hekel Tavares, na voz de Ana Salvagni
Aquiles Reis
Gravar Alma Cabocla (independente) foi o jeito que Ana Salvagni encontrou para homenagear Hekel Tavares, um dos maiores compositores brasileiros.
Ao reunir dezesseis músicas deste alagoano de Satuba, Ana, na verdade, criou não só um álbum de referência para os que desejarem conhecer uma pequena parte do repertório de Hekel como também, de certa forma, redimiu o fato de poucos darem a ele a importância devida por obra tão rica. Hekel Tavares é a alma do que vai pelo espírito das gentes do interior dos sertões e dos grotões brasileiros carentes de cidadania.
Compositor com interesse dividido entre o popular e o erudito, Tavares faz da singeleza seu norte, do lirismo seu mundo. Universo este que Ana Salvagni se dispôs a escarafunchar. E o fez com tamanha competência que o resultado não poderia ter sido mais e tão intensamente musical e brasileiro.
Com sua voz delicada, Ana dá às canções interpretação personalíssima. Com suas divisões, cada verso soa exatamente da forma como foram imaginados por cada um dos parceiros de Hekel Tavares. Muito afinada, seus agudos são tão cristalinos como límpidas são as melodias e as harmonias do compositor.
Ana Salvagni certamente tinha consciência de que não bastaria cantar bem, seria obrigatório ter acompanhamento instrumental à altura do projeto imaginado. Foi quando, muito provavelmente, certificou-se de que era fundamental escolher a dedo cada um dos músicos que tocariam os arranjos feitos por arranjadores do mesmo alto nível. Para cantar músicas diferenciadas, há que se contar com instrumentistas que sejam virtuosos. Mas não só. Necessário será também que tenham a percepção clara de participar de uma gravação que ficará para a história da música brasileira. E assim foi. Edson Alves, além de criar três arranjos, tocar violão, baixo e flauta, dividiu com Ana a direção musical de Alma Cabocla. E, dentre outros, Paulo Braga fez quatro arranjos e tocou piano.
Algumas das músicas de Hekel são bem conhecidas. Por exemplo, “Guacyra” e “Favela”, parcerias com Joracy Camargo. Sendo que o solo vocal desta última é dividido entre Ana e Filó Machado, o que resultou numa interpretação que valoriza ainda mais os versos do belo samba: “No carnaval me lembro tanto da favela, ô/ Onde ela, ô, morava (...)”.
“Lavandeirinha” (com Olegário Mariano) tem a participação também especial de Renato Braz cantando com Ana; e “Você” (com Nair Mesquita), que já foi gravada por Fagner e Nara Leão, “Vocês já ouviram, lá no mato a cantoria/ Da passarada, quando vem o amanhecer (...)” – um dos arranjos de Paulo Braga – tem um quarteto de cordas que dá à canção a necessária ingenuidade.
E assim, Alma Cabocla segue seu rumo de revelar as facetas que exprimem o que nasce em meio ao mato, sob o céu estelar do interior.
Hekel Tavares bem faz jus ao carinho que foi dispensado por Ana Salvagni à sua música; bem como nos toca ouvi-la para melhor sabê-la.
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