Seja bem-vinda, Angela Maria
Aquiles Reis
Aos oitenta e dois anos de uma vida dedicada a cantar dores e desventuras, amores e ciúmes, Angela Maria lança Eu voltei (Lua Music). Produzido pelo craque Thiago Marques Luiz, o CD apresenta um repertório até então inédito da cantora, mas que parece ter ficado guardado para que ela dele dispusesse quando achasse mais conveniente.
Angela Maria está de volta: abra a porta do seu coração e deixe-a entrar. Mas esteja certo do sentimento que você experimentará: “Mas como voltou, se ela nunca foi embora, se eu sempre tive sua voz me acalentando meus sonhos e medos?” Pois é...
Angela está cantando melhor do que nunca. Ela encontrou o ambiente musical propício ao seu canto, amparada que está pelos ótimos arranjos do violonista e guitarrista Ronaldo Rayol e do pianista Daniel Bondaczuk, eles que sentiram o espírito da intérprete e o traduziram em sons que juntam, basicamente, um quarteto de cordas (dois violinos, uma viola e um violoncelo), para o qual, os arranjos são de Bondaczuk, bateria, baixo, guitarra, percussão e piano; por vezes, valendo-se de sax, acordeom e flugel horn.
Os boleros fluem com estilo recatado. A sonoridade acústica amplia a densidade das interpretações. Uma dose moderada de reverb, do qual a mixagem se vale para aprofundar a voz de Angela, vale por um instrumento a mais. Enfim, há um naipe de sonoridades que reconduzem ao centro do palco uma das nossas mais dilacerantes cantoras.
“O Portão” (Roberto e Erasmo) abre o disco. As cordas se mostram logo na introdução, como que anunciando a beleza que virá. A bateria toca suave. O baixo e o piano soam respeitosamente. A guitarra brinca com seus recursos sonoros. A letra atinge o coração de Angela e ela nos devolve a beleza com altas doses de sentimento.
Ouvi-la cantar “Se Queres Saber” (Peter Pan), junto com Cauby Peixoto, significa certificarmo-nos de que música não tem limite para emocionar de forma tão intensa.
“Menino Grande” (Antônio Maria) tem arranjo em que a simplicidade reforça a delicada e bela melodia. Comovida, Angela se deixa levar, extravasando sua sensibilidade, mais aguçada do que nunca. O piano toca notas agudas... Meu Deus!
O sax toca a introdução de “Bar da Noite” (Haroldo Barbosa e Bidu Reis). O piano lhe faz companhia. O sax segue improvisando até brilhar num intermezzo. O piano, a bateria e o baixo sustentam a base melódica. Angela Maria arrasa!
O violão começa “Olhos nos Olhos” (Chico Buarque). O flugel brilha ao longo do arranjo, cabendo a ele costurar a bela interpretação de Angela.
A cada bolero, chore, mire-se no espelho e relembre de tudo que viveu, de tudo que se privou de fazer e deixou para trás. A voz de Angela Maria lhe propiciará tudo isso. Reveja nas entranhas de sua memória o que estava apagado, esquecido. Certifique-se, então, de que tudo se manteve em estado bruto, intato, pronto para ser novamente acionado por uma fagulha da vida renascida na voz de uma grande cantora mulher.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
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