O retrato da alma
Aquiles Reis
Mineiro
de Uberaba, radicado em Brasília, o cantor Leonel Laterza lança o CD Guardados
(independente), que tem concepção, produção e projeto gráfico dele. No encarte,
logo acima da foto de um molho de chaves envelhecidas pelo uso, ele faz uma
oferta para que o ouvinte abra as portas que revelarão os guardados e as
emoções que brotarão do seu canto.
Ainda
no encarte, fotos de antigas portas coloniais descoloridas, com ferragens e
cadeados encardidos, oferecem-se para serem violadas e revelar a alma de
Leonel, que se desvenda através do seu canto atado às memórias fugidias. Para
um eficaz resultado do que tinha em mente, ele escolheu um repertório de uma
dúzia de belas canções. Como se colocadas atrás de portas imaginárias, elas
equivalem a doze guardados a serem revelados. Como se cada uma das músicas
correspondesse a doze rosas dos ventos.
Cada
porta contém um tempo revelador. Cada cenário desnudado é um fragmento de
imagem interna. Cada palavra interpreta um instante de vivência. Cada eco
reflete o som que desabrocha em revelações. Cada frase musical é um pano de
fundo do dia a dia. E a cada canção materializa-se o desejo de abrir-se ao
mundo.
Nos
arranjos, o gesto afirmativo de falar de dores amargas e de alegrias compartilhadas.
Nos acordes, um brilho de ingênuo olhar. No ritmo, a busca de um passado que
arde em brasa para ser presente.
Assim
Leonel Laterza fez de sua voz uma lança para atingir pontos futuros. Lança tão
certeira que atinge o centro do alvo: os ouvidos de quem é cravado por sua
ponta embebida de doces venenos. A afinação, somada à vida a ser narrada pelo
cantor, é igual ao mapa que indica caminhos, revelando, pelo encantamento da
música, a mais profunda delicadeza carimbada em sutis emoções. E assim Leonel Laterza
traça seu rumo diante do vivido.
Lançando
mão de músicas de gêneros tão vários quanto marcantes, ele foi buscar
inspiração em Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho
(“Alvorada”); Ivan Lins e Vitor Martins (“Amor”); Lupicínio Rodrigues e
Felisberto Martins (“Se Acaso Você Chegasse”), com as brilhantes participações
de Rosa Passos e do violonista Lula Galvão; Fátima Guedes (“Dor Medonha”);
Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro (“Coração do Mato”), na qual Leonel divide
o canto com Sérgio Santos; Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro (“Estrela da
Terra”); Tom Jobim (“Outra Vez”) e mais outras cinco “portas” de igual
preciosidade e significado.
Inspirado
por Rosa Passos, Sérgio Santos e José Luiz Mazziotti (três grandes cantores!),
Leonel Laterza se mostra um intérprete de excelentes recursos. Suas divisões
são ricas em suingue, sua voz tem entusiasmo criador, tem vigor – ela que sai
sem pressa da garganta, certa de que tem o que dizer e, por isso, tudo o que
diz cantando vem seguro, vem suave.
Assim,
de porta em porta aberta, Laterza se deixa saber. Sua interpretação assim o
permite, pois ele canta consciente de que deve à música o retrato de sua alma.
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