...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, abril 29, 2012


O retrato da alma

Aquiles Reis
Mineiro de Uberaba, radicado em Brasília, o cantor Leonel Laterza lança o CD Guardados (independente), que tem concepção, produção e projeto gráfico dele. No encarte, logo acima da foto de um molho de chaves envelhecidas pelo uso, ele faz uma oferta para que o ouvinte abra as portas que revelarão os guardados e as emoções que brotarão do seu canto.

Ainda no encarte, fotos de antigas portas coloniais descoloridas, com ferragens e cadeados encardidos, oferecem-se para serem violadas e revelar a alma de Leonel, que se desvenda através do seu canto atado às memórias fugidias. Para um eficaz resultado do que tinha em mente, ele escolheu um repertório de uma dúzia de belas canções. Como se colocadas atrás de portas imaginárias, elas equivalem a doze guardados a serem revelados. Como se cada uma das músicas correspondesse a doze rosas dos ventos.

Cada porta contém um tempo revelador. Cada cenário desnudado é um fragmento de imagem interna. Cada palavra interpreta um instante de vivência. Cada eco reflete o som que desabrocha em revelações. Cada frase musical é um pano de fundo do dia a dia. E a cada canção materializa-se o desejo de abrir-se ao mundo.

Nos arranjos, o gesto afirmativo de falar de dores amargas e de alegrias compartilhadas. Nos acordes, um brilho de ingênuo olhar. No ritmo, a busca de um passado que arde em brasa para ser presente.

Assim Leonel Laterza fez de sua voz uma lança para atingir pontos futuros. Lança tão certeira que atinge o centro do alvo: os ouvidos de quem é cravado por sua ponta embebida de doces venenos. A afinação, somada à vida a ser narrada pelo cantor, é igual ao mapa que indica caminhos, revelando, pelo encantamento da música, a mais profunda delicadeza carimbada em sutis emoções. E assim Leonel Laterza traça seu rumo diante do vivido.

Lançando mão de músicas de gêneros tão vários quanto marcantes, ele foi buscar inspiração em Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho (“Alvorada”); Ivan Lins e Vitor Martins (“Amor”); Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins (“Se Acaso Você Chegasse”), com as brilhantes participações de Rosa Passos e do violonista Lula Galvão; Fátima Guedes (“Dor Medonha”); Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro (“Coração do Mato”), na qual Leonel divide o canto com Sérgio Santos; Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro (“Estrela da Terra”); Tom Jobim (“Outra Vez”) e mais outras cinco “portas” de igual preciosidade e significado.

Inspirado por Rosa Passos, Sérgio Santos e José Luiz Mazziotti (três grandes cantores!), Leonel Laterza se mostra um intérprete de excelentes recursos. Suas divisões são ricas em suingue, sua voz tem entusiasmo criador, tem vigor – ela que sai sem pressa da garganta, certa de que tem o que dizer e, por isso, tudo o que diz cantando vem seguro, vem suave.

Assim, de porta em porta aberta, Laterza se deixa saber. Sua interpretação assim o permite, pois ele canta consciente de que deve à música o retrato de sua alma.


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