...na música, até o silêncio tem ritmo.

segunda-feira, junho 04, 2012


O canto brasileiro de Renato Braz


Aquiles Reis

Casa de Morar (independente), o sexto disco lançado pelo cantor paulistano Renato Braz, é dedicado a Homero Ferreira (falecido recentemente e grande amigo de Renato).

Não à toa, o CD tem forte participação do parceiro Paulo César Pinheiro, seja recitando uma de suas poesias (“O Centauro”) ou em quatro letras (duas parcerias com Dori Caymmi, uma com Mario Gil e outra com Theo de Barros).

Outra participação preciosa é a de Dori Caymmi. Ele fez o arranjo e tocou violões somados à viola, acordeom, percussão, dois cellos e baixo em “Desafio”; em “Coração sem Saída”, seu violão, ao lado de sax (com inspirado improviso no final), baixo e leve percussão, realça a beleza do samba lento – duas belas músicas dele e P.C. Pinheiro. Caymmi ainda cantou com Braz, tocou violão e fez o arranjo de “O Trenzinho do Caipira” (Villa-Lobos e Ferreira Gullar). “Durango Kid” (Toninho Horta e Fernando Brant) também tem arranjo com a marca Dori Caymmi de qualidade: mais uma vez seu violão começa, seguido por dois cellos e baixo – apenas cordas dão ainda mais alento à canção.

Fred Martins canta com Renato e toca violão em “Por um Fio” (dele e Marcelo Diniz). A introdução e o final têm um coral, como o de monges. A percussão e o contrabaixo seguram o ritmo.

“Casa de Morar” (Claudio Nucci e Cacaso) empresta o nome ao CD e a ele adiciona poética e brasilidade; “Santa Clara” (dos mesmos autores), com rica melodia de Nucci, brilha ao som do sax de Nailor Proveta e das cordas (violão, contrabaixo, dois violinos, viola e cello), arranjadas por Edson José Alves.

Deste mesmo arranjador, com igual formação, “Relento” (Simone Guimarães e Cristina Saraiva) é a mais perfeita tradução da origem de Renato Braz.

Também com arranjo do violonista Edson Alves, Braz canta “Febril”, música bela e pouco conhecida de Gilberto Gil. Seus versos, enricados por sete violinos, duas violas, cello, baixo, violão, ganzá e trombone, trazem a dor da solidão no palco envolta em musicalidade, arte em que Gil é mestre.

“Papo de Passarim” (Zé Renato e Xico Chaves) tem a voz de Zé Renato somada à de Braz. As vozes, o violão do Zé e a flauta de bambu do Teco Cardoso bastam-se.

A cada audição do CD de Renato Braz, cantor de rara personalidade e afinação certeira, vinha-me à mente o poema “Canto Brasileiro”, de Paulo César Pinheiro, principalmente seus quatro versos finais: Meu coração é o violão de Espanha/ Meu sangue quente é o banjo americano/ A minha voz é o cello da Alemanha/ Meu sentimento é o bandolim cigano/ A minha mágoa é o som francês do acordeon/ Meu crânio é a gaita de fole escocesa/ Meus nervos são como bandoneon/ Minha calma é igual guitarra portuguesa/ Meu olho envolve como flauta indiana/ Minha loucura é como harpa romana/ Meu grito é o corne inglês de desespero/ Maldito ou bíblico, demônio ou santo/ Cada país foi me emprestando um canto/ E assim nasceu meu canto brasileiro. Nestes versos também está o canto de Renato Braz.



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