Um virtuoso tocando Tom Jobim
Qual instrumentista é mais virtuoso? É o que tira sons limpos, com os dedos revelando-se ágeis e precisos? O que tem mais pegada, fazendo-nos mal respirar, tamanha a excitação provocada por sua apaixonada interpretação? Seria mais virtuoso o que se dedica a criar delicadas belezas a partir de uma leitura especial da obra com a qual se propôs a nos tocar o coração? Ou seria mais talentoso o músico que homenageia os autores, respeitando suas concepções originais?
Se o talento andar de mãos dadas com a sensibilidade, se o instrumento revelar sonoridade e limpeza e o instrumentista possuir boa técnica, se nos emocionar tanto quando sua pegada é suave quando ela é vigorosa, se sua alma musical nos surpreender, dando seu melhor à harmonia e à interpretação, nos fazendo crer que o que toca é algo mais próximo da plenitude, mas sem excessos banais... São todos igualmente virtuosos. Mas há que perceber e valorizar cada uma dessas qualidades, pois uma não desmerece a outra.
Vamos ao CD Tom Jobim para violão – Daniel Murray (Delira Música). Produzido por Paulo Bellinati, é o segundo álbum do violonista e arranjador que agora mergulha no complexo, profundo e instigante oceano musical tomjobiniano.
Parte de uma seleção impecável de catorze temas, nos quais Tom dividiu a criação com diversos parceiros. Bem... Aqui há o senão do trabalho: em nenhum lugar, nem na capa, nem na contracapa, muito menos no release, estão nomeados os que dividiram com Tom Jobim a responsabilidade de criar as canções que desde sempre fazem a música brasileira ser ainda mais rica e diversificada. Voltando... Na seleção musical se destacam algumas das mais belas parcerias do maestro soberano com Vinícius de Moraes: “Por Toda Minha Vida”, Chora Coração”, “Estrada Branca”, “A Felicidade” e “Luiza”.
Há também músicas feitas com Chico Buarque: “Imagina” e “Eu Te Amo”. E seis temas apenas de Tom Jobim: “Antigua”, “Tema para Ana”, “Chanson Pour Michelle”, “Garoto”, “Gabriela” e “Bate-Boca” (choro cujo título foi sugerido por Chico Buarque), bem como uma com Aloysio de Oliveira, “Eu Preciso de Você”.
Para tocá-las, Daniel buscou a concisão e a delicadeza. Suas interpretações abrangem a totalidade das intenções primeiras do autor. Assim, Tom está presente, vivo e desnudado apenas por um violão soberbamente tocado.
Os arranjos expressam todas as ideias instrumentais concebidas pelo talento tomjobiniano. O violão não compete com o conteúdo que expressa; vale-se dele para, pleno de criatividade, ser ainda mais instigante. O ambiente sonoro é de extrema paz. Cada faixa escutada agrega um prazer maior ao ato de se deixar levar por algo tão vibrante e terno.
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim e Daniel Murray se somam para multiplicar por dois o que parecia incomensurável. Ao dividirem seus talentos, autor e intérprete se acrescentam e agregam fortuna ao que parecia nem precisar de tanto mais para ser ainda muito melhor.
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