...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, dezembro 11, 2011

Carlos Navas, cantor que dá sua voz às canções de Custódio Mesquita

Voz e piano homenageiam um grande compositor

Aquiles Reis



Custódio Mesquita (1910-1945) bem que merecia muito mais do que as poucas, embora sinceras e amorosas, homenagens prestadas quando do seu centenário de nascimento. Entretanto, dentre elas, um disco se destacou por conter treze das mais belas músicas do grande pianista e compositor: Junte tudo que é seu... Canções de Custódio Mesquita em voz e piano (independente). Um projeto de Carlos Navas, cantor que dá sua voz às canções de Custódio Mesquita, prodigioso criador de melodias de rara delicadeza.

Nesse que é o seu nono disco, o intérprete reforça sua característica de cantar canções românticas como um visionário prestes a morrer de tanto amar, de cantar como se sua voz acalentasse os versos, embalando-os em seus braços, trazendo para junto de si a melodia e dela se vestindo a rigor.

Com um jeito malicioso de cantar, ele até tenta (em vão, diga-se) despistar o seu verdadeiro talento. Mesmo assim, por vezes, ainda podemos ser levados à falsa impressão de que sua voz é o que ela não é: ingênua. Muito embora demonstre não fazer a menor força para que tamanha inverdade salte à vista, sua voz embute o prazer do canto, insofismável maneira de comprovar que estamos, isso sim, diante de um grande intérprete.

Para dar asas à sua ideia, Carlos Navas entregou o piano aos dedos de Gustavo Sarzi. Ao piano juntou-se a voz, e juntos desaguaram em repertório exemplar: como Custódio Mesquita com Noel Rosa, “Prazer em Conhecê-lo”; com Mário Lago, “Enquanto Houver Saudade”, “Mentirosa” e “Nada Além” (esta tendo a calorosa participação de Rosa Marya Collin); com Evaldo Rui, dentre outras, “Como os Rios Que Correm Pro Mar” e “Nossa Comédia”, a qual Alzira E emprestou sua voz inusual; e Custódio com Orestes Barbosa, “Flauta, Violão e Cavaquinho”, em bela versão apenas com piano.

Ah, o piano e seu mosaico recortado, sobre ele bailam dedos travessos. Ora juntos, ora solitários, eles se movimentam em ritual pagão e se valem de feitiço próprio para expandir o diálogo entre o real e o imaginário, criando sons martelados em preto e branco.

Ah, a voz, poderoso instrumento capaz de criar momentos únicos, ela se achega, como quem não quer nada, e logo nos domina, nos levando ao êxtase, ao místico mundo das imagens. Voz e piano, dois a exaltar o incompreensível e a dar cara ao imponderável.

Profana, a voz atrai o piano, em cujo leito branco os dedos se deitam em comunhão de carnes, ossos e tendões, em intenso movimento de voluptuosa sensualidade. A voz os vê entrelaçados, superpostos, e neles despeja sua energia. E ao sentir que se afastam e respiram, para logo voltar a se roçar, pele com pele, a voz canta a eles por linhas tortas.

Ah, piano, intenso instrumento, quantos arrepios sonoros já germinaste? Ah, voz, mágico encorajamento, quanta inquietude já geraste? Ah, meu Deus, que intensa força é essa que resulta da volúpia da voz e de dez dedos deslizando sobre os dentes de marfim de um piano?

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