...na música, até o silêncio tem ritmo.

domingo, janeiro 30, 2011

Saudade de Gonzaguinha

Saudade de Gonzaguinha

 

            Quando ele nasceu o São Carlos tremeu. Imbalançou. Veio em frenético galope. O arvoredo, em desalinho, desenhou a figura do menino no topo da copa mais alta. Bem lá em cima o vento uivou um gemido.
A mãe na labuta, né, mãe? Lavar louça é preciso, né, mãe? Navegar não é preciso, tá, mãe? Pega minha mão. Solta não. Tenho medo das manhãs de abril. Meus olhos não deixa ninguém furar, tá, mãe? Não nasci pra ser Assum Preto. Galopar é preciso. Imbalança, mãe.
Ao som do vento que canta ao sol me vou. Eu quero ser feliz, mãe. Vou pro mundo. Correndo desesperadamente atrás da bola de fogo. Mas não vou só. Teu menino nunca estará só, mãe. Tenho companheiros para enfrentar os furacões, traçar os caminhos, escolher os descaminhos. Dar bom-dia à tempestade. Chorar a saudade de ti, mãe. Vem comigo.
Teu menino é forte. Mas ele tem medo. Carrego comigo o cantar da minha gente. Ela precisa de mim, mãe. Vou pra vida a galope. Me dá um cheiro, mãe. Vou descer o São Carlos. Vou voar.
A música é meu ofício. Vou subir o São Francisco. Vou pras terras do meu mundo. Grito. Alerto. Do chão levanto a poeira que há de cegar o carrasco. Canto noite e dia. Beijo bocas. Dou prazeres que não consigo ter. Sinto dores que não suporto sentir. Tenho medo do céu de abril. A florada da mata inunda meus olhos. Uivo à lua cheia meu sonho de liberdade. Tudo é chama. Clamo por justiça, mãe. Germinei a terra fértil. Meu coração bate em outros peitos. Gerei pequenos frutos. Viver é preciso. Imbalança, mãe.
            Quando ele cresceu o Brasil muito que aprendeu. Vertigem no galope desenfreado. A floresta segurou e protegeu seu moleque. Lá do alto da mais alta de todas as copas veio o vento. O gemido.
 Sou das estradas. Fiz meu ninho lá no alto daquele coqueiro. Meu coração quer sair do corpo a galope. Não tá dando pra segurar. Imbalança. Minhas lembranças querem se apagar na beira daquele mar. Imbalança, imbalançá. Vim a galope, a galope vou voltar. Preciso das Minas. Ar pra respirar. Sinto o peito sufocar. Tenho meu canto. Vou galopar. Imbalança. Meu pai dizia: “Minha vida é andar por esse país”. Eu vou atrás, mãe. É meu destino. Por ele choro e canto. Saudade, mãe. Tua benção, pai.
            Manhã de abril. Não consigo ver a beleza das matas. Galopo. Não tô enxergando, mãe. Me pega, pai. Me aperta, mãe. Não vai dar. Imbalança. Não dá pra descansar. Eu quero essa vida mudar. Eia minha gente, imbalança!
            Vou a galope. Pra onde, pai? No que eu posso ainda acreditar, mãe? Só sei que minhas crianças, em sua infinita pureza, me ensinaram a beleza. Muito aprendi por aí, com elas. Estou voltando ao começo, pai. Tenho medo. É manhã de um abril qualquer. Não tá dando pra segurar. Meu coração vai explodir, mãe...
            Vem, meu moleque, imbalança, imbalançá!
            Gonzaguinha morreu num acidente de carro. Era uma manhã de abril de 1991.
PS. Valendo-me de trechos de algumas das canções compostas e cantadas por Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., busquei revê-lo A ele, minha amizade. Saudade.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

2 comentários:

  1. Uma delícia de crônica, cada pedaçinho de Gonzaguinha tão bem agrupado,mais as pinceladas do autor: -belíssimo!
    Saudade muita....
    Mya-RJ

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  2. Até hj penso que Gonzaguinha não morreu. Uma partida que nunca consegui digerir. Gente, que falta que esse cara faz!!!!!!!
    Bjs
    Belvedere

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